domingo, 30 de agosto de 2009

O sorriso

à uma menina cujos lábios quero beijo



Sofre poeta, a procurar na lira de mil outros
Uma palavra ou um verso, não qualquer
Que iguale em sutileza e beleza
O riso, os olhos e a alma daquela mulher.

Procura a esmo, poeta;
Sabes que não vais encontrar
Na lira de nenhum outro
O que só seus olhos vivem a procurar.


E mesmo que ache bela lira
E que tente fazer a rima
Ou que ache o prazer da vida;
Ah! A beleza daquele sorriso é infinda.

Contente-se, poeta!
Em cousa que pode lhes parecer banal.
Alegre-se em fazê-la sorrir...
E de sua alegria ermosa
Bela lira pode surgir.

E do belo sorriso,
mesmo que fabricado de tão pobre rima,
Faça belo o mundo,
Quiçá minha lira...

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Só sei amar

Queria eu, nessas linhas, escrever o sentido da vida;
Pretensioso que sou queria explicar o amor.
Mas poeta que sou só mesmo sei
amar e viver.

Queria eu um caminho mais fácil achar
De um amor mais prazeroso desfrutar,
mas homem que sou só sei mesmo
amar errante e caminhar.

Queria eu com a ponta deste lápis revelar
Todo o segredo que uma alma pode guardar
E o tempo com um virar de dedos controlar.
Sonhador que sou o faria,
Mas só mesmo sei
Viver, caminhar e amar...

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

A vida é um eterno acostumar

Quem vos narra essa via nada sacra é a essência de um homem, que nada perdi exceto aquele a quem dava vida. Não perca seu tempo ardilando sobre como uma essência narra uma história, apenas preste a devida atenção aos fatos que vos compartilho. Esta não é uma história usual, talvez até lhe cause estranhamento: começo contando-lhe o final, afinal, este já era derradeiro. O mais importante é o começo, mas não se afobe, leitor, este tem seu lugar nessas linhas que se seguem.

Tudo havia terminado quando ao homem que dava vida foi lançado um olhar vindo do espelho de seu quarto. Ele fitou em retribuição cordial o igual homem que o fitava e exasperou-se em estranhamento ao sentir-se completamente alheio àquele. Levantaram as mãos juntos, o homem e a imagem, um a esquerda, o outro a direita; em movimento sincronizado, ambos tocaram a superfície espelhada e a despeito de tão parecidos, logo se acostumaram a não serem a mesma pessoa.

Antes disso o homem havia tido filhos, que para ele já haviam nascido crescidos. Acostumara-se a acordar à noite, a trocar fralda, a pegar bico caído ao chão; Tarde notou que seus quartos estavam vazios, quando se acostumou que chamassem-no de pai.

Antes que tivesse filhos, o homem se casara; antes que percebesse havia acostumado a escutar ''eu te amo'' e responder ''eu também''. Tão logo a isso se acostumara a amar também. Não demorou para que em alguns vãos momentos se esquecesse que casado estava e acostumara também a deixar sua aliança no criado mudo.

Antes que pudesse se casar e ter filhos o homem tinha de se tornar adulto e assim o fez como de costume. Acostumou-se a idéia de que suas idéias e seu ímpeto jovem não mudariam o mundo e acabou se acostumando com a idéia de crescer. Não tardou também para que tudo aquilo que acreditava desfalecesse em sua alma acabando por acostumar a fazer tudo aquilo que julgava errado no juventude.

E foi antes do espelho, dos filhos, do casamento e antes mesmo de ficar adulto que estivemos, eu e o homem, o mais próximos um do outro. Eis que chego onde prometi: o primeiro passo dessa via nada sacra que me levou ao definitivo afastamento do homem a quem dava vida, a vida! Ainda era criança e assistia televisão. Eramos puros e inocentes, por que não? Pareceu-lhe atrativa, talvez indolor a idéia que lhe fora apresentada: ''Acostume-se a acostumar, criança, terás a vida menos ralada''.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

O Eco da Sombra

Qual vulto meu quarto assombra? - A sombra.
Que meus olhos profundos fita - grita.
Que a boca baixinho ora - chora.
Que fez do medo calafrio - frio.

Qual medo me atormenta agora? - Ora;
Ao rosto angelical implora - agora!
Que da sombra negra apareça - esqueça!
E ao profundo sono volta - revolta.

Estou em carne viva - viva
Indolor, porém, que me cutuque - machuque
A ferida alma desamparada - desesperada
Que cega vê a sombra - assombra.

Que a boca muda fala - nada
E a mão involuntária treme - teme
Qual alma meu peito gela - congela
E frio na minha sinto - não minto!

Qual palavra digo pra que vá embora - ora!
Qual segredo tem que me esconde? - Onde?
Que em meus ouvidos o vento sopra - mostra!
O sussurro que alivía o peito - deito.

E a sombra responder demora - chora!
Dize, ainda que já cedo - Medo
O segredo da sombra - assombra!
Qual que grita e não me escuta - luta!
E do meu peito faz o corte - morte

domingo, 9 de agosto de 2009

A padaria dos sonhos de fama

Diz-se que era um sonho quase sublime o que aquela padaria fazia. Um desses sonhos suculentos em que nos lambuzamos sem o pesar de ter de se limpar depois. Sabendo disso Carlos desceu as escadas, cumprimentou o porteiro e pôs-se na calçada em direção à padaria dos sonhos de fama.

Diz-se também que eram três jovens entediados e uma máquina, dessas que roncam enfurecidas rasgando a cidade. Cansados do conforto de suas vidas e das oportunidades oferecidas, resolveram embarcar naquele veículo, imbuídos com o único objetivo de sentirem-se vivos a despeito de não conhecerem a lei, a ordem, nem Carlos, nem a padaria dos sonhos de fama.

Carlos caminhava sereno apesar da juventude. A padaria dos sonhos de fama era a alguns quarteirões de onde estava e o tempo não parecia preocupá-lo. Seus passos firmes o levariam ao destino e logo teria em suas mãos o suculento sonho com que sonhava.

Os jovens não somente se contentavam com a velocidade com que cortavam o vento, mas para que se sentissem realmente vivos tinham que transpor as amarras que conhecemos como sociedade. Não lhes importava a polícia em perseguição nem a vida do cão que atropelado fora.

Carlos já estava na padaria. Comprara o sonho e agora poderia ir para casa. A pressa não lhe era característica, sabia que para tudo havia seu tempo e ainda não iria lambuzar-se com o sonho que acabara de comprar. Pôs-se de novo na calçada com o mesmo caminhar sereno.

Os jovens dobravam as esquinas, cortavam ruas, avenidas e vidas. E quando banalmente dobraram a avenida da padaria dos sonhos de fama deparam com o garoto que antes não conheciam. Era um garoto com um saco na mão. Talvez carregasse ali alguns pães, ou talvez um sonho.

Carlos olhara surpreso aquele carro azul metálico que havia dobrado a rua em alta velocidade. Ouvia as sirenes ao fundo e sabia que a polícia estava no caminho. Ouvia o amargo cantar dos pneus e o ronco enfurecido dos cavalos do motor se aproximando a galope. Ouvia sussurros de vozes ancestrais, e gritos descomunais. Estava atordoado e parecia não acreditar que tanta coisa se passava em sua cabeça naquela fração de segundo.

O jovem ao volante fitou o garoto que estava logo a sua frente. O choque parecia derradeiro e em meio aos gritos graves dos jovens percebia-se um lampejo de arrependimento, ou talvez aquele brilho, que é sinal de alma, nos olhos fosse vida.

Carlos tinha de escolher entre o sonho e a vida. Largou a sacola que carregava e correu atordoado para se por na calçada novamente.

O jovem ao volante tentou pisar no freio, mas tudo que conseguiu foi o cheiro de queimado e sonho que ficou no asfalto.