segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Para não sofrer

Para não sofrer
Hei de me esquivar
Do soco no estômago;
Do tapa com luva de pelica.

Para não sofrer
Hei de cegar
Do garoto de fome, caído;
Do meu direito destituído.

Para não sofrer
Hei de me esquecer
Da infinda guerra que se trava;
Daquela alma que aqui estava.

Para não sofrer
Hei de me acostumar
A acordar sem bom dia;
A beijar sem euforia.

Para não sofrer
Hei de me embriagar
Com cavalares doses de uísque,
Cafeína, anfetamina - ansiolíticos.

Para não sofrer
Hei de mostrar
A todos outros bêbados
Meu ignoto reflexo - minha sanidade.

Para não sofrer
Hei de pagar
O preço da dose;
Vender a alma.

Para não sofrer
Não hei de deixar,
Que a poesia transborde,
Que o coração acelere.

Para não sofrer
Hei de ficar repetitivo,
Para não correr o risco
Do erro, do riso.

Para não sofrer
Hei de ignorar
Qual seja a viscissitude;
Toda e qualquer virtude.

Para não sofrer,
Hei de me diminuir,
Hei de me desmerecer.
Dormir e quiçá com sorte
-morrer.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

A tragédia é aqui

Há tempos as tragédias batem em nossos umbrais. Como um corvo, aquela figura apocalíptica descrita por Poe, nos amedrontam e deixam suspensa no ar - além da poeira - uma certa impotência e, por vezes, algumas partículas de culpa. Recentemente choramos pelas vítimas do terremoto no Haiti, que veio a piorar a quase ''impiorável'' situação do mais pobre país das amériacas. Foi notável a mobilização, mas fez-nos esquecer a ''escancarada'' tragédia brasileira; não só a das chuvas, mas estas tragédias dos homens, este pequeno Haiti que cultivamos em nossos quintais, mas que preferimos não ver. Sorte daquele outro Haiti, amparado por este de cá.

A tragédia haitiana, assim como a brasileira, tem inícios parecidos, ainda quando embrião na formação do país.No Haiti, uma independência negra e esperançosa, logo suplantada pelas sanguinárias ditaturas de Papa e Baby Doc's. No Brasil, uma colonização desajeitada, uma independência arranjada e ao final, um país ''de meia dúzia'' de pessoas. ''Não, aqui não é o Haiti! Temos uma democracia!'' Corrupta, elitista e desigual!

O Haiti teme as gangues; por aqui, tememos as milícias, o tráfico. No Haiti, mora-se em barracas; por aqui mora-se em encostas de morros e certas horas, abaixo da terra. No Haiti, tem-se fome; por aqui, para muitos falta o que comer. No Haiti corações latejam embaixo dos escombros; no Brasil, os corações derretem à mercer da chuva e da lama. Ainda nos resta o carnaval, o futebol e quiçá uma foto ao pé do Cristo.

Os corvos, estas visitas tardias, batem, quase igualmente em nossos umbrais - deste e daquele Haiti. A ligeira diferença está em nossos cartões postais. Enquanto aqui temos para onde desviar as vistas das tragédias - com lampejos de Europa e alguns poucos levando a vida de ''um país de todos''- , no haiti não há tregua para as vistas, as tragédias nos saltam aos olhos.

E quem - óh Deus - devemos culpar? Jogaremos pedra na Geni? Como - óh Deus - enxergaremos esse Haiti invisível cá envolto em nós? Será preciso um Zeppelin? Talvez precisemos de um terremoto, para abalar nossas vistas, arder os olhos, chacoalhar a alma! Escancarar essa tragédia tão brasileira, tão haitiana.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Soneto à traição

Seduz-te com olhar fagueiro - a víbora
Sussurra amante teu nome - poeta
Chama-te para o banquete - Calígula
Ebria-te e crava em teu peito- a seta

Prova a terna quimera que embriaga-te;
O doce do beijo que em tua boca
Amarga-se; o arcanjo que ama-te
É o leal veneno deste cálice.

Beba até que em face a morte emudeça
A voz que de dor em teu peito grita
Ignota até que em solidão, pereça.

Carrega tu no sal de cada lágrima
O pérfido arcanjo que seduz
E o leal veneno que lento e triste
- mata.

sábado, 19 de dezembro de 2009

Anjinha

Tu não vês anjinha,
Mas não porque não podes,
Que entre todas essas odes
Escapa uma pérfida lágrima:
É tua e é minha.

E em teu sal está tristeza
Metida em porção infinda.
Lastimando trai-te a cara
E triste ainda, desnuda-te a alma.
Faltando à fé jurada, escorre calma.

Mas não carregue em teu peito, lindo anjo,
Toda a dor deste eivado mundo.
Ouça este desarranjo profundo,
Sou eu que cá neste ignoto canto,
Canto sim, a roubar para mim, teu pranto.

Amar-me, minha anjinha, não carece
Deixa, deixa só essa alma que padece,
Mas ouça bem o último suspiro de meu canto...
Há muito chove a tristeza de teu pranto,
Dá-me tua lágrima, pois te amo
-sincero e tanto.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Não sei

Tentei por-te em versos
À sorte da palavra errante;
Traduzir-te de sonhos certos,
Reproduzir-te em voz amante,

Mas estes signos que ao vento distoam,
Que a boca esconde e dos olhos voam,
São ignotos em minha ignorância,
Perdidos em cada uma de suas nuâncias.

Ah! Como é pretenciosa essa rima
Estralando suave em boca minha
Quer ser doce como tu, menina
E se perde no contorno da boca tua.

São mesmo errantes as palavras que escrevi,
Em vão esforço não conseguem
Ainda que com sinceridade temtem
Ser tão belas como o que tenho por ti.

Não cabes em versos mesmo
Tento e tento... a esmo
Em rimas que malho e limo
Falo sim de teu riso

E teu doce jeito que me encanta
E a candura de tua alma
Que à minha acalanta.

E das vicissitudes que vivo
E do medo que agora sinto
E se ainda duvidas que te gosto...
Gosto sim, não minto.

Mas não me basto em palavras
De amor ou de amigo.
Se em versos não cabes,
Toma! Meu peito é teu abrigo.

A vida como ela parece

Abrem-se as cortinas. E tão logo nos é apresentada a luz, aprendemos que a vida é um grande espetáculo, ou pelo menos deve parecer. Quando nascemos e o choro não é escutado, ganhamos logo um tapa! Não basta estarmos vivos, mas temos de parecê-lo. A partir daí, a medida que as roupas não vão nos servido mais - seja pelo tamanho ou pela moda - vão se sucedendo, em ternas vicissitudes, uma infinitude de atuações, cenas, quadros em que quase podemos ver a rubrica; alguns chamam de viver e vão vivendo, atuando, se relacionando e contracenando; também vão brigando por um lugar ao foco do holofote e se matando - a morte é verdadeira.

Envoltos nessa atmosfera teatral, somos inspirados por Jacksons, Ches, Madonnas, figuras encobertas pelo manto da própria imagem, lembradas e estampadas pelo que representam e não pela pessoa que são. São estes nossos heróis, nossos arquétipos; aplaudidos por uma sociedade do espetáculo e aplaudindo esta.

Voltamos, senhores, à caverna, onde as sombras que nos alienam são também a verdade que nos sacia. Voltamos à tempos ancestrais, à barbárie, disputando a tapas o ingresso de um funeral. Fazemos da vida um grande show, em que o fundamental é estar sob os holofote, a imagem que queremos apresentar, seja ela de um cadáver, de um mini-vestido rosa ou de um sanguinário guerrilheiro estampado, tal qual um herói, na camiseta da criança.

Mas não achemos, caríssimos, que esse universo dos ícones ''imortais'' nos é distante. Voltamos também a nos forjar em grilhões nas cavernas. As relações humanas cada vez menos pautadas no ''ser'', a constante ânsia por auto-projeção - vide Geise Arruda, que agora frequenta até festas beneficentes das freiras beneditinas - e uma terna preocupação, não com o que somos, mas com a imagem que queremos vender, faz com que atos como os da família Jackson e a venda de camisetas com a ''marca'' Che, sejam meras metáforas desta sociedade que convivemos.

Já não nos basta vender a casa, ou vender o carro, ou vender a natureza. Queremos também vender a nós mesmos, nossa alma. Então temos de fazer o produto aparentar ser atraente. Queremos parecer mais ricos e compramos aquilo que nosso dinheiro não pode pagar; queremos parecer mais altos e logo metemos nos pés um desconfortável salto; queremos parecer mais felizes e lá se vão doses cavalares de calmantes, ansiolíticos, uísque. Nos embriagamos dessa vida real a fim de mostrar a tantos outros bêbados que somos, ou pelo menos parecemos, sãos - até que as cortinas se fechem.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Exílio

Do Grito que dei só resta o Eco,
Que à boca retorna deixando amargo gosto
Do sentimento; com o hálito seco
A lágrima que corta o rosto.

O riso na face figura, mas só faz privar do espelho
O que cravado na alma está em segredo.
Não há mesmo jeito sem no peito amor;
Nesta valsa errante - pra lá e pra cá - do pierrot

Faço jus ao exílio que vivo?
Neste ver passar da vida, passivo.
Neste exílilo sem ao menos a lembrança do sabiá.
Montando alheia Quimera embriagada - pra lá, pra cá.

E Deus? - Cavalga pomposo em seu alasão
Acena sorrindo em meu febril delírio.
Me abandonaste? - Ilusão.
Larga as rédeas para aplaudir meu martírio...