sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

A tragédia é aqui

Há tempos as tragédias batem em nossos umbrais. Como um corvo, aquela figura apocalíptica descrita por Poe, nos amedrontam e deixam suspensa no ar - além da poeira - uma certa impotência e, por vezes, algumas partículas de culpa. Recentemente choramos pelas vítimas do terremoto no Haiti, que veio a piorar a quase ''impiorável'' situação do mais pobre país das amériacas. Foi notável a mobilização, mas fez-nos esquecer a ''escancarada'' tragédia brasileira; não só a das chuvas, mas estas tragédias dos homens, este pequeno Haiti que cultivamos em nossos quintais, mas que preferimos não ver. Sorte daquele outro Haiti, amparado por este de cá.

A tragédia haitiana, assim como a brasileira, tem inícios parecidos, ainda quando embrião na formação do país.No Haiti, uma independência negra e esperançosa, logo suplantada pelas sanguinárias ditaturas de Papa e Baby Doc's. No Brasil, uma colonização desajeitada, uma independência arranjada e ao final, um país ''de meia dúzia'' de pessoas. ''Não, aqui não é o Haiti! Temos uma democracia!'' Corrupta, elitista e desigual!

O Haiti teme as gangues; por aqui, tememos as milícias, o tráfico. No Haiti, mora-se em barracas; por aqui mora-se em encostas de morros e certas horas, abaixo da terra. No Haiti, tem-se fome; por aqui, para muitos falta o que comer. No Haiti corações latejam embaixo dos escombros; no Brasil, os corações derretem à mercer da chuva e da lama. Ainda nos resta o carnaval, o futebol e quiçá uma foto ao pé do Cristo.

Os corvos, estas visitas tardias, batem, quase igualmente em nossos umbrais - deste e daquele Haiti. A ligeira diferença está em nossos cartões postais. Enquanto aqui temos para onde desviar as vistas das tragédias - com lampejos de Europa e alguns poucos levando a vida de ''um país de todos''- , no haiti não há tregua para as vistas, as tragédias nos saltam aos olhos.

E quem - óh Deus - devemos culpar? Jogaremos pedra na Geni? Como - óh Deus - enxergaremos esse Haiti invisível cá envolto em nós? Será preciso um Zeppelin? Talvez precisemos de um terremoto, para abalar nossas vistas, arder os olhos, chacoalhar a alma! Escancarar essa tragédia tão brasileira, tão haitiana.

Um comentário:

  1. Simplesmente adorei sua visão, essa sua teoria. Muito bem pensado, muito bem escrito. Acho que vou embora com essa indagação. Talvez até mesmo com uma certa culpa. Parabéns, realmente, ficou muito bom.

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